Cochichos da Política

Histórias sobre bastidores dos palanques jacareienses

O tinteiro

Em 1961, uma discussão entre alguns vereadores de Jacareí, durante a Sessão Ordinária da Câmara Municipal, terminou de forma bem acalorada. E curiosa. Benedicto Sergio Lencioni, parlamentar da situação, 25 anos na época, subiu à tribuna para ler um ofício onde, de forma entusiasmada, alardeava que o prefeito de então, Antônio Nunes de Moraes Júnior, 39, havia conseguido o estrado para a Central do Brasil, a linha do trem que passava pela principal região da cidade.

Ao ouvir as palavras, Luiz Máximo, 28, da oposição, pediu aparte. "Olha, nobre vereador, isto que o senhor está dizendo não foi conquista do prefeito. Hoje, por incrível coincidência, eu conversava na praça do Largo do Rosário com algumas pessoas que pertencem ao Rotary Club. Eles me mostraram um documento da Central do Brasil onde se informava que havia sido atendido a um pedido do Rotary, e por isso havia ali o estrado, e não porque o prefeito pediu."

De maneira inusitada, até surpreendente, por ser conhecido como pessoa calma e tranquila, José Cristóvão Arouca, 35, que apoiava Nunes, deu um murro na mesa e começou a esbravejar contra Máximo. "O senhor é um mentiroso!", disparou. "Nossa! E o senhor fala?", respondeu Máximo, de forma irônica, provocando o colega de Legislativo. "O senhor não passa de um papagaio!", retrucou 'Aroucão'. "Se sou papagaio, o senhor é mudo! Nem sabe falar!", devolveu o filho do professor Tito Máximo.

Arouca ficou tão nervoso que explodiu. Pegou um tinteiro cheio que estava em sua mesa. Tinteiro de vidro. Atirou-o na direção de Máximo, que levou um banho daquele líquido preto, além de ter se machucado levemente. Não bastasse, Arouca partiu para a briga. A confusão foi instalada. Não durou muito. A turma do 'deixa disso' entrou em ação e tudo acabou.

Meses depois, José e Luiz se esbarraram na praça Conde Frontin. O segundo conversava com um grupo de amigos, quando o primeiro se aproximou. Num gesto de humildade, Arouca pediu desculpas a Máximo, que aceitou, sem grandes problemas. "Eram situações até corriqueiras, essas discussões. Tínhamos debates fortes e às vezes isso acontecia. Mas morria ali mesmo. Da porta para fora, esquecíamos", disse Máximo.



55 anos sem Aparício Lorena: vereador e jornalista

Há 55 anos, em maio de I.97O, morria Aparício Lorena, que nasceu no pequeno município de Tietê, interior do Estado de São Paulo, aos IO de novembro de I.898, filho de Laurentina de Souza Lorena e Francisco Ferreira Lorena. A terra natal (I2O quilômetros de São Paulo e quase 25O de Jacareí) contava com pouco mais de I9 mil habitantes na época. O prefeito naquele fim de século XIX era Joaquim Pereira de Almeida Paula, do Partido Republicano Progressista. O mandato de Joaquim se encerrou em 6 de janeiro de I.899, 57 dias depois de Lorena vir ao mundo. A emancipação de Tietê ocorrera antes, em 8 de março de I.842.

Quando conheceu Eulide Neves, que viria a ser a sua esposa, Aparício trabalhava como guardador de livros em Cravinhos, região metropolitana de Ribeirão Preto. Lá chegou a frequentar a Faculdade de Odontologia. Abandonou o curso por dificuldades financeiras. Ela, chamada de 'Dona Catita' pelos mais próximos, era natural de Jacareí (nascida a 25 de janeiro de I.9O4), dona de casa e filha de Benedicto Antônio das Neves e Benedicta Sousa Neves. A família morava à Rua José Bonifácio, 32.

Eulide e Aparício casaram-se no dia 3 de abril de I.929 em Santa Isabel. Ficaram um pequeno período na capital, onde ele trabalhou no jornal 'O Estado de São Paulo'. Retornaram logo depois a Santa Isabel. Durante a Revolução Constitucionalista de I.932 (movimento armado de julho a outubro nos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, com o objetivo de derrubar o governo provisório de Getúlio Vargas e convocar nova Assembleia Nacional Constituinte) Aparício tornou-se servidor público do Cartório de Registro Civil juntamente com o cunhado, Agenor Correia da Silva.

Oito anos mais tarde, I.94O, a família transferiu-se a Jacareí. Residiram na mesma Rua José Bonifácio, mas no número I29 (o telefone residencial era 275), bem atrás de Igreja Matriz. Aqui passou a se interessar e participar da vida social e política. Elegeu-se vereador em três legislaturas (I.947, I.95I e I.959). Na primeira, pelo Partido Democrata Cristão (PDC), recebeu 9I votos (IOº colocado). Quatro anos depois, ainda no PDC, foi reeleito. No derradeiro mandato estava no Partido Social Progressista (PSP).

Vereador, foi visionário: em 4 de fevereiro de I.948 indicou ao prefeito Roberto Lopes Leal a necessidade de Jacareí já ter uma estação rodoviária. Só a teria I2 anos mais tarde. Também no primeiro ano como parlamentar, fez a indicação para que a imagem do Cristo crucificado fosse entronizada na Câmara Municipal, à época sediada na Praça Barão do Rio Branco (Praça do Rosário), no edifício da Associação Comercial. A imagem foi doada por Isadora Villar. O ato religioso começou na Igreja Matriz e a imagem foi conduzida em procissão até a Câmara.

Estavam presentes nesta sessão, por exemplo, o Comendador Manoel Máximo, provedor da Santa Casa, o padre Ramon Ortiz e o vereador Tito Máximo, que sucederia a Leal como comandante do Executivo ao vencer o pleito de I.95I. A parte musical ficou com a banda da escola 'Coronel Carlos Porto'.

Neste ínterim, a 26 de novembro de I.95O, fundou o jornal 'O Combate'. Montado com tipos móveis, impresso manualmente e entregue de porta em porta, tinha Francisco Miragaia Lemes como redator-chefe. Aparício era redator-secretário. O semanário marcou época. Fez jus ao nome. "Combateu o bom combate" na defesa dos interesses do povo jacareiense. ''Uma folha a serviço do povo'' era o lema de periódico.

João Baptista Denis Netto, o Jobanito, entrou pouco depois e se tornou o jornalista principal. José de Moraes, o diretor comercial. A publicação mostrava em várias edições o seu lado católico. Tinha como colaboradores o professor Amaury Teixeira Vasques, que auxiliava nas informações esportivas, e Jorge Pires e Amélia Faria, na seção de poesias.

'O Combate' tinha linha política forte. Havia uma coluna sobre o assunto e vez ou outra ia à sede do jornal um vereador que reclamava da publicação e queria tirar satisfações de Aparício.

O noticiário circulou enquanto Lorena, que também por muito tempo foi funcionário da Prefeitura e pertenceu à Irmandade do Santíssimo, esteve vivo. Seguiu com Antônio, conhecido como 'Loreninha', seu filho, até a morte dele. Era impresso na mesma oficina que imprimia 'O Jacareiense' e 'O Bandeirante'. Pelo 'O Combate' passaram nomes que depois despontaram ao cenário municipal, como a jornalista e advogada Eloísa Nascimento e o professor e seis vezes vereador Edson de Aquino Guedes.

Aparício simpatizava politicamente com a família Máximo (Luiz de Araújo Máximo, o Professor Tito, foi vereador e prefeito de Jacareí nas décadas de I.94O e I.95O) e era fã de carteirinha de Adhemar de Barros (governador de São Paulo entre I.938 e I.94I, de I.947 a I.95I e I.963 a I.966, e prefeito da capital de I.957 a I.96I). Tanto os Máximos como Barros eram do PSP, sigla na qual Aparício se elegeu ao terceiro e último mandato de vereador, em I.959.

O jornalista, físico frágil, tratava muito bem aos funcionários. Compunha-se como os publishers da época: calça e camisa sociais. Ao sair às ruas à caça de reportagens, era o paletó e a gravata que davam o tom. A maioria dos textos tratava de temas políticos. Polivalente, colhia informações, realizava entrevistas, escrevia os textos (usava apenas os dois dedos indicadores em sua máquina Remington) e cuidava pessoalmente da impressão. Trabalho totalmente artesanal. Depois, pendurava as páginas em um varal que circulava pelo quintal da casa dele e voltava à gráfica.

A redação ficava exatamente nos fundos desta casa. Havia uma escada que dava para a redação, modesta, por ser ali um terreno em declividade. Bastava chegar perto do imóvel para sentir o cheiro das tintas, dos papéis, e ouvir o barulho das impressões. Os textos eram montados tipo a tipo, com muita paciência e atenção. Garotos de cerca de I2 anos cumpriam a função. Aparício ensinava-os a 'compor os tipos'. Sentava-se ao lado para 'construir' as matérias, letra por letra, numa ferramenta chamada componedor. Os meninos estavam nos primeiros empregos, em sua maioria. Por trabalharem no jornal, entravam de graça nos cinemas de Jacareí.

Após a organização, toda a página ia à impressão, feita à mão por uma espécie de alavanca. No verão, as temperaturas elevadas faziam suar em bicas quem estava no galpão da montagem dos tipos. Dona Catita, fiel espectadora da história de 'O Combate', aliviava o intenso calor oferecendo copos com um saboroso e geladíssimo suco de mamão aos adolescentes.

Trinta e três dias após o falecimento de Aparício Lorena, aos 24 de junho de I.97O, o então prefeito Malek Assad, por meio do decreto I26, denominou uma rua localizada na região central de Jacareí com o nome do jornalista. Cinco anos depois, 24 de novembro de I.975, pela resolução legislativa 292, o presidente da Câmara à época, Luiz Lencioni Pereira, denominou a Sala de Imprensa do Palácio 3I de Março como 'Sala Aparício Lorena – Jornalista e Homem Público', cuja placa está até hoje em cima da porta da assessoria de imprensa do Poder Legislativo.

Na FOTO ABAIXO, Aparício e, de óculos, João Baptista Denis Netto, o JOBANITO.

Autor do blog:

Rodrigo Romero, jornalista, apaixonado pelo passado

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